domingo, 15 de janeiro de 2017

A farewell to hope

Different times, different situations.

No dia 20 de janeiro de 2017, os EUA e o mundo dão adeus à esperança e abraçam o medo.


Na vida tudo é sobre sexo, nos EUA tudo é sobre raça.


segunda-feira, 21 de novembro de 2016

A era da pós-razão

Em junho de 2016, inesperadamente, os eleitores do Reino Unido resolveram sair da União Europeia. Foram 52% dos votos para o Leave, enquanto o Remain teve 48% dos votos. A participação popular foi maior do que a das eleições gerais em 2015 (72% e 66%, respectivamente) e representou o prenúncio de uma nova ordem mundial que viria a ser confirmada no dia 9 de novembro, como também inesperadamente, Donald Trump se tornou o presidente eleito dos Estados Unidos após alcançar mais de 270 votos no colégio eleitoral, embora tenha perdido no voto popular para a candidata democrata Hillary Clinton.

Esses dois acontecimentos, correlatos, mas específicos devido às diferentes formas de escolha eleitoral entre o Reino Unido e os EUA impressionaram não somente analistas políticos, jornalistas e comentadores, mas a muitos eleitores céticos que ou não votaram ou apesar de terem votado não perceberam que esses seriam os resultados.

Muito tem se falado na imprensa e em sites especializados sobre onde as pesquisas erraram e como a cobertura dos acontecimentos foram essenciais ou não para o resultado das eleições, mas o que se percebe é que ainda é cedo para fazer uma análise mais corroborada com fatos e que as especulações não representam necessariamente a realidade. 

Voltando ao ano de 2015, alguns acontecimentos podem ter tido uma influência muito grande tanto no resultado do Brexit  quanto ao das eleições americanas. No ano passado, a chanceler alemã Angela Merkel aceitou receber na Alemanha milhares de refugiados, na sua maioria sírios fugindo da sangrenta guerra civil na Síria. Isso representou uma grande mudança na forma como os alemães enxergavam até então o popular governo da primeira-ministra alemã e levantou questões sobre identidade e nacionalismo étnico.

Entretanto, nos últimos anos, após a grande crise de 2008 e posterior crise na zona do Euro, instabilidades políticas e sociais começaram a surgir em países de democracia sólida como a Inglaterra e a França. Nesses países, forças políticas com um forte apelo nacional e anti-imigratório começaram a ganhar votos e repercussão midiática, a Frente Nacional na França, liderada por Marine Le Pen e o partido UKIP (United Kingdom Independence Party) liderado por Nigel Farage passaram de figuras secundárias e até mesmo ridicularizadas pela imprensa para se tornarem protagonistas nos acontecimentos de 2016.

A receptividade de Angela Merkel aos refugiados, principalmente pelo fato de serem muçulmanos pavimentou o caminho para a retórica da extrema-direita que agora não é só anti-imigração,mas também anti-muçulmana, eles querem parar o que acreditam ser a "islamização" da Europa, e devido ao surgimento do ISIS e as suas atrocidades gravadas em vídeo e direcionadas ao Ocidente inflamaram ainda mais o sentimento de ressentimento aos líderes que se mostraram cautelosos demais.

Quando em 2014 a França se tornou alvo direto de ataques terroristas, o que parecia improvável estava acontecendo, primeiro foi no Charlie Hebdo, o jornal satírico que publicou charges de Maomé, depois ainda mais agressivo e mais direcionado ao povo francês de forma indiscriminada foram os ataquem em Novembro que mataram mais de 100 pessoas. Ataques orquestrados por radicais contra uma nação cujo lema é liberdade, igualdade e fraternidade foi o suficiente para estabelecer um novo padrão de medo na sociedade, o medo do outro, principalmente se não for da etnia majoritária em seu país de origem.

No continente americano, onde a cultura do medo e do racismo representam um mercado jornalístico extremamente rentável, um empresário bem sucedido do ramo de imóveis e apresentador do reality show The Aprentice (O aprendiz, em português) se aproveitou do momento "anti-establishment" e de "pânico social" da política mundial e embarcou numa candidatura repleta de insultos e humilhações a imigrantes, muçulmanos jornalistas e até mesmo companheiros do próprio partido, o Partido Republicano.

Ainda nas primárias do partido Republicano, Donald Trump disse que o México estava enviando "estupradores" para os EUA, apenas alguns são bons cidadãos. Depois, não hesitou em dizer que mais de 1,5 bilhão de muçulmanos seriam proibidos de entrar nos EUA: "until we find what's going on", até descobrirmos o que está acontecendo, em tradução livre. Essa foi a sua resposta aos atentados sucessivos na Europa.

Mesmo depois de uma campanha extremamente agressiva e de ter se aproveitado do ressentimento da população branca e conservadora, Donald Trump conseguiu o inimaginável, venceu as eleições americanas e se tornará o 45º Presidente dos EUA.

Anos atrás ninguém acreditaria que usando uma retórica de ódio e ressentimento contra minoria, um candidato pudesse ganhar a presidência. Em 2015, a Suprema Corte americana aprovou em território nacional o casamento entre homossexuais e apesar de todas as reviravoltas políticas, os EUA têm trilhado um caminho de progresso social. 

Mas as coisas mudaram, a tecnologia trouxe muitas mudanças positivas para a sociedade, mas também desafios a serem superados. Nesse ano, pela primeira vez, acredito eu, as redes sociais tiveram um papel decisivo no resultado das eleições. Somente uma notícia no facebook dizendo que o papa Francisco estava apoiando o Donald Trump obteve mais de 1 milhão de compartilhamento entre os usuários, e é óbvio que essa era uma notícia falsa.

Alguns analistas têm falado sobre como nos últimos anos, temos escolhido viver em "bolhas" ou "echo chambers", lugares onde nossas opiniões são corroboradas e não questionadas. Liberais acessam certos sites,  leem certo jornais e assistem certos canais. Conservadores fazem o mesmo: acessam, leem e assistem aquilo que irá mostrar uma tendência clara de como eles vêm o mundo.

Sobre as eleições americanas também é importante destacar algo pouco debatido,mas que anos atrás foi mencionado pelo historiador Samuel Huntigton como um dos fenômenos que ocorreriam na história contemporânea. Huntigton se referia ao fenômeno de nacionalismo x cosmopolitanismo. Segundo ele, cada vez mais os habitantes de centros urbanos manteriam uma visão mais aberta sobre o mundo e os imigrantes em geral, enquanto pequenas cidades e comunidades rurais, onde a população é quase totalmente homogênea, manteriam uma visão mais conservadora, nacionalista e indiferente (quando não hostil) a pessoas de outras comunidades. Talvez isso explique a discrepância entre os eleitores da Pensilvânia, por exemplo. Nesse estado da costa leste, a Hillary perdeu para o Donald Trump por uma margem de menos de 1%, entretanto no condado da maior cidade do estado (Filadélfia), a Hillary venceu com mais de 80% dos votos e esse padrão se manteve em praticamente todas as grandes cidades dos EUA.

Talvez a eleição do Donald Trump, após 8 anos do primeiro presidente negro da história dos EUA (Barack Obama) seja um ponto fora da curva e em 2020 ele será derrotado, mas também pode representar o início de uma nova era - como o Brexit pode ter prenunciado -, uma era onde cada vez mais, nós seres humanos em geral, nos distanciaremos uns dos outros e escolheremos viver nas nossas "bolhas" ou "echo chambers", onde praticamente todos ao nosso redor terão uma mesma visão de mundo e aqueles que discordarem serão imediatamente excluídos dos nossos ciclos sociais. Essa tendência, se se mostrar correta, representará o inicio da era da pós-razão.